sábado, 29 de junho de 2013

Da Liberdade Cristã - Martinho Lutero

 DA LIBERDADE CRISTÃ
 
1


Para conhecermos a fundo o que seja um cristão e sabermos em que consiste a liberdade que Cristo lhe adquiriu e ofertou, de que São Paulo tanto escreve, quero frisar estas duas frases:

 Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém.

Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.

 Estas duas frases se encontram claramente em São Paulo, 1 Coríntios 9.19: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos...” e adiante em Romanos 13.8: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros”. O amor é, pois, serviçal e submete aquele em que está posto. Em Gálatas se diz de Cristo o mesmo: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4.4).

2 

Para se poder entender ambas as afirmações entre si diretamente contraditórias, sobre a liberdade e a servidão, deveremos ter em conta que todo cristão possui uma natureza espiritual e outra corporal. Segundo a alma, se chama ao homem espiritual, novo e interior; segundo a carne e o sangue é chamado pessoa corporal, velha e exterior. A respeito desta diferença, também a Sagrada Escritura contém informações diretamente contraditórias no concernente à liberdade e à servidão a que me referi a pouco.

3 

                Examinemos o homem interior, espiritual, para ver o que necessita para ser e poder chamar-se cristão, justo e livre. Uma coisa evidencia-se logo: nenhuma coisa externa, seja qual for, o torna justo ou livre; pois nem sua piedade ou justiça, nem sua liberdade, nem sua maldade e servidão são corporais externas. Que aproveita a alma se o corpo é livre, sadio e vigoroso, se come, bebe e vive à sua vontade?

Ou que dano pode causar à alma se o corpo anda sujeito, enfermo, fraco, padecendo fome, sede e sofrimentos, contra a sua vontade? Nada disso atinge a alma, tanto para libertá-la ou escraviza-la, torna-la justa ou perversa.

         4
Nada vale para a alma se o corpo se cobre de vestes sagradas, como fazem os sacerdotes e outros religiosos. Nem tampouco se permanece em igrejas e outros lugares santificados. Nem se ocupa somente de coisas sagradas, nem se faz orações de boca, jejua, faz peregrinações e pratica tantas boas ações quanto seja possível.
Algo completamente diferente há de ser o que concede à alma justiça ou retidão e liberdade: porque tudo o que ficou dito acima, obras e atos piedosos, também o homem mau, fingido e hipócrita pode conhecer e praticar. Aliás, fazem muitos hipócritas. Por outro lado, nada prejudica a alma se o corpo se cobre com vestimentas profanas e mora, come e bebe em lugar não santificado, não peregrina, nem reza, nem faz as obras que os hipócritas acima mencionados fazem.

      5
Nem no céu, nem na terra, existe para a alma outra coisa em que viver e ser justa, livre e cristã, que o Santo Evangelho, a Palavra de Deus, pregada por Cristo como Ele mesmo diz (João 11.25): “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá”; e adiante em João 14.6: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida.” E adiante em Mateus 4.4: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus”.

Sabemos então, que a alma pode prescindir de tudo, menos da Palavra de Deus. Fora disso nada existe com que auxiliar a alma. Uma vez, porém, que esta possua a Palavra de Deus, nada mais necessitará, pois na Palavra de Deus encontrará suficiente alimento, alegria, paz, luz, conhecimento, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e toda sorte de bens em abundância. Assim lemos nos Salmos, especialmente no 119, que o profeta não clama por mais nada que pela Palavra de Deus; e na Escritura (Amós 8.11) se considera o maior castigo e sinal da ira divina, se Deus retira dos homens a sua Palavra. Mas ao contrário, a maior graça de Deus se manifesta quando Ele envia sua Palavra, segundo lemos no Salmo 107: “Enviou a sua palavra e os curou; e os livrou da destruição”. E Cristo não veio ao mundo com outro objetivo que pregar a Palavra de Deus. E com este exclusivo fim foram chamados e impostos em seus cargos todos os apóstolos, bispos, sacerdotes e eclesiásticos em geral. Ainda que infelizmente hoje não pareça.
 
 
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Fonte:
(Da Liberdade Cristã - Por Martinho Lutero - 3ª edição - Editora Sinodal - 1979)

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